O Unicórnio Brasileiro e o Negócio de Jogos Digitais
A notícia de que a desenvolvedora de games Wildlife é o novo unicórnio brasileiro, ou seja, entrou para o seleto rol de empresas avaliadas como valendo mais de um bilhão de dólares, foi recebida com alegria por todos aqueles que ralam no mercado de jogos digitais.
Também pertencem a esse grupo as empresas: PagSeguro, 99, Stone Pagamentos, Ebanx, Arco Educação, Quinto Andar, Nubank, Loggi, iFood e Gympass.
A Wildlife acaba de receber um aporte de 60 milhões de dólares em rodada de investimento liderada pelo fundo Benchmark Capital. A notícia de que mais uma empresa do nosso Brasil-sil-sil ingressa no time das que valem mais de um bilhão de dólares é certamente positiva, ainda mais em se tratando do mercado de jogos digitais. Contudo, a noticia trata-se de uma caixa de pandora para muitos dos que teorizam sobre o mercado de games no Brasil, sendo um senhor balde de água fria para alguns desenvolvedores.
Explico-me, uma análise mais cuidadosa do portifólio de jogos da empresa torna evidente um ponto, em seus jogos não há nenhum que figure uma protagonista feminina forte, temática LGBT, cultura nerd, crítica social ou manifestações culturais regionais. A temática recorrente de seus jogos são esportes, guerra, pintura e versões de mecânicas consagrados como as de Clash Royale e Minecraft.
Sim, o unicórnio brasileiro dos jogos digitais entendeu que o ritmo que conduz a dança dos negócios está mais ligado a estratégia, retorno de investimento e base de consumidores, do que lacração e manifesto. Seu aparente arroz/feijão temático é certeza de agradar um grande número de consumidores, deixando de lado nichos ruidosos que preferem pratos mais rebuscados.
Há uma aparente confusão por parte dos que se aventuram no mercado de games brasileiros que é embaralhar os conceitos de jogo digital como meio de expressão e como produto a ser comercializado.
Por favor não me entenda mal, sou um dos que acredita que o jogo digital é a maior forma de expressão já inventada pelo homem, e seu potencial ainda está sendo desvelado por meio de muita experimentação. Contudo, existe um grande abismo entre a expressão artísticas e os negócios, que fica evidente na hora que chega a conta.
Posto em outras palavras, e tomando emprestado o mercado audiovisual, há um grande abismo entre o “querer dizer” e o vender. Cidadão Kane que é considerado por muitos (eu incluso) como o melhor filme já produzido, teve um desempenho pífio de bilheteria. Conforme o cinema foi se consolidando como indústria bilionária, diretores e produtores se viram forçados a decidir entre a “expressão artística” e a bilheteria, ou seja, fazer o filme que gostariam de criar ou fazer o filme que a audiência está disposta a pagar para assistir. Quando se trata de projetos que estão na casa dos milhões de dólares, a balança tende a pender para o lado da bilheteria.
Alguns diretores optam por fazer filmes comerciais e criar um “pé de meia” para daí poderem fazerem seus projetos autorais. Situação análoga acontece no mercado de games. Pare e pense em quantos jogos “assinados” você conhece? No mercado “triple A” dá para contar nos dedos. No mercado indie o numero é maior, mas ainda assim limitado.
Fica então a questão: fazer jogo para ganhar dinheiro ou fazer jogo para se expressar? Porque no fim das contas a conta sempre chega, e ai o problema é quem vai pagar por ela.
É claro que ambas as perspectivas não são excludentes, é possível sim ganhar dinheiro com jogos que sejam autorais, políticos, críticos, focados, lacradores e voltados para nichos e temáticas relevantes, mas isso é muito mais difícil, porque exige além do talento um bocado de planejamento.
Planejamento sim, porque exige conhecer públicos, meios de divulgação, ter capacidade de achar patrocínio e investimento, bem como timming e senso de oportunidade.
E por isso que tenho advogado a necessidade dos desenvolvedores de jogos digitais aprenderem a se relacionar com o mundo do marketing. Para que possam aportar a seus sonhos conceitos como análise de potencial de mercado, retorno sobre investimento e sustentabilidade empresarial.
Se o unicórnio brasileiro dos jogos tem algo a ensinar é que o negócio de jogos digitais é justamente isso, NEGÓCIO.